O BOM E O BONITO, O FEIO E O MAU - O balanço de uma vida num culto
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O BOM E O BONITO, O FEIO E O MAU - O balanço de uma vida num culto
Enquanto lêm, sugiro que vão ouvindo o tema "Chariots of Fire", de Vangelis em fundo.
Em primeiro lugar, uma declaração de interesses: Sou da opinião que todas as religiões, em maior ou menor grau, são “cultos”.
O QUE É UM CULTO
A etimologia da palavra culto vêm do latim cultus, que significa em concreto cuidar, cultivar (cultivare) e em abstracto venerar e adorar. Na sua acepção generalista moderna, “culto” pode ser definido como “sistema de crenças e rituais religiosos dirigidos a uma figura particular ou objecto; profunda crença em poder ou poderes sobrenaturais que governam os destinos da humanidade”. O Cristianismo venera Deus e Jesus Cristo; o Islão venera Allah e o seu profeta Maomé; O judaísmo venera Yahweh; o Zoroastrianismo venera Aura Mazda; O budismo venera Buda; o Hinduísmo venera Brahma, Vishnu, Shiva e uma multidão de outras divindades.... sobre todos estes se pode dizer que são sistemas de crenças e rituais dirigidos a uma figura particular (a divindade, o seu profeta, o seu filho....) com poderes sobrenaturais que lhe permitem decidir ou condicionar o futuro da humanidade e dos humanos. Sob este ponto de vista, TODAS as religiões são cultos. Apenas, alguns cultos atingiram o estatuto mais respeitável de “religião” quando se tornaram dominantes em certas geografias. Mas, na origem, todas são cultos.
Depois há a definição derrogatória de “culto”: “Religião ou seita religiosa considerada extremista ou falsa, em que seus membros usualmente vivem de maneira pouco convencional sob a liderança de um líder carismático e autoritário”. Esta definição é problemática, por vários motivos, porque está dependente de critérios demasiado subjectivos; por exemplo, o que é uma “religião falsa”? O que é viver de maneira “pouco convencional”? Depende de quem responde a essa pergunta. Quando se fala em “culto”, tanto do ponto de vista teológico, como do ponto de vista sociológico, é preciso qualificar esse termo, a fim de evitar imprecisões e confusões.
É NECESSÁRIO QUALIFICAR UM CULTO
Do ponto de vista sociológico, um culto pode ser qualificado como “destrutivo”, se causa impacto negativo na saúde física e mental dos aderentes, nas suas finanças, e nas suas relações. Um culto pode ser classificado como de “alta exigência” ou “alto controle mental” se: os seus membros seguem uma liderança com zelo e admiração exacerbados e acríticos; se estão focados no recrutamento de novos membros; se a dúvida, o questionamento e o pensamento desviante ou dissidente são desencorajados e punidos; se todos os aspectos da vida são ditados em pormenor pela liderança, quanto a como pensar e como agir; se a liderança e os membros do grupo não se consideram obrigados a prestar contas ás autoridades seculares; se o grupo usa técnicas de supressão do pensamento crítico; se o grupo é elitista, procurando a pureza e a separação face aos demais; se a mentalidade polarizada (nós versus eles) é usada como meio de identidade de grupo; se a liderança usa a culpa como meio de controlar os aderentes; se a liderança encoraja ou obriga ao corte de relações com não-aderentes; se a liderança encoraja a socialização apenas com aderentes desse grupo; e a liderança exige um inusitado volume de tempo e disponibilidade para o aderente dedicar ás actividades do grupo.
De qualquer modo, acho que todos podemos concordar que, sob qualquer prisma, as Testemunhas de Jeová são um culto; quer do ponto de vista teológico - viola as normas das correntes mais ortodoxas, ou mainstream, do Cristianismo - como também, do ponto de vista sociológico encaixa na definição de culto destrutivo de alto controle mental.
PORQUE DECIDIMOS SAIR
Há diferentes motivos que podem accionar a vontade de um indivíduo se tornar dissidente das Testemunhas de Jeová. A Organização quer fazer crer que aqueles que se afastam por vontade própria, fazem-no invariavelmente por não conseguirem ou não quererem “viver á altura das elevadas normas de Jeová”; ou seja, nunca saem por discordarem da validade das doutrinas, e práticas, ou por se terem apercebido de corrupção e práticas escandalosas, ou por esgotamento psíquico e emocional, ou por não haver evidências que suportem a crença em deidades; não – a culpa é seguramente de algum defeito moral do dissidente, nunca da religião, e muito menos de Jeová e de Cristo, que, com certeza não terão culpa de nada.
A verdade é que quem se afastou ou cogita afastar-se das Testemunhas de Jeová por vontade própria raramente o faz por se sentir incapaz de “viver á altura das elevadas normas de Jeová” (leia-se: fazer o que o Corpo Governante ensina que se deve fazer). Na realidade, muitos de nós passámos muitos anos da nossa vida bastante confortáveis a viver á altura dessas “elevadas normas”. Muitos de nós tínhamos prazer em “gastar-nos em prol do Reino” e tínhamos orgulho em seguir padrões de moral e de conduta mais elevados - ou pelo menos assim imaginávamos - do que as demais pessoas “do mundo”.
Portanto, para todos nós, houve uma época em que gostávamos de ser Testemunhas de Jeová. Havia algo que, pese embora os desafios inerentes a se levar um estilo de vida pouco convencional face á normal social vigente, nos dava sentido á vida e grande satisfação interior. Era isso que nos mantinha interessados e envolvidos. No fundo, como muitos dizem com uma certa nostalgia, “nem tudo era mau”.
O BOM E O BONITO
Quais são (ou eram) algumas dessas coisas que achamos que foram positivas na nossa experiência como Testemunhas de Jeová?
Talvez fosse o facto de que as Testemunhas ofereciam uma explicação aparentemente plausível para as dificuldades e os sofrimentos da vida e porque é que Deus as consente, o que nos permitia olhar para o mundo á nossa volta e as coisas pareciam fazer sentido; talvez fosse a figura de Jeová nos ser apresentada como um pai amoroso que se interessava pessoalmente por nós, e com o qual nós nos podíamos relacionar, e isso nos servir de conforto; talvez fosse a incrível esperança de poder viver para sempre num paraíso na terra, livres de doenças, ansiedades e dificuldades; talvez fosse a esperança da ressurreição; talvez fosse a crença de que o Reino de Deus acabasse com a iniquidade e a violência e introduzisse um sistema de governo justo em que as nossas necessidades fossem plenamente atendidas; talvez fosse a comunidade dos crentes, semelhante a uma enorme e amorosa família, onde nos sentíamos imediatamente integrados, e onde cada um era potencialmente um amigo e um irmão; talvez fosse a sensação de termos um propósito na vida, e que o nosso trabalho árduo em prol dos interessas da Organização contribuísse directamente para a realização desse propósito; talvez fosse o sentimento interior de bem-estar que vinha da sensação de estarmos a ajudar outras pessoas a melhorar a sua vida; talves fosse a convicção sincera de que o código de conduta moral prescrito é superior a todos os demais; talvez fosse o facto de nos sentirmos integrados e em comunhão com as pessoas mais importantes da nossa vida, os nossos familiares e amigos. Ou ainda outros motivos. Todos esses motivos são bondosos, nobres e belos.
Todos os motivos acima listados são razões de peso que podem manter alguém dentro da Organização, ou motivar aqueles que foram desassociados a regressar. Então, porquê sair e abrir mão disso tudo?
PONDERAR BEM NO NOSSO COMPROMISSO COM A VERDADE
Obviamente, tem que haver motivos fortíssimos para que alguém decida, após prolongada ponderação e reflexão, abandonar as Testemunhas de Jeová. Nunca essa decisão é fácil ou tomada de ânimo leve. Alguns de nós agonizaram durante anos, muitas vezes á custa da nossa saúde física e emocional, sobre o dilema de ficar ou sair. Muitos de nós fizemos disso assunto de intensa e ferverosa oração a Jeová, pedindo ajuda e orientação sobre o que fazer. Muitos imaginámos que Jeová Deus não é culpado da Organização que leva o seu nome se ter corrompido e desviado da pureza espiritual, mas que a seu tempo isso seria corrigido, e que deveríamos esperar para ver. Portanto, não é por capricho, por fraqueza espiritual ou moral, ou por birra que alguém decide deitar a perder o investimento de uma vida, onde nos sentíamos seguros e confortáveis, e trocar isso pelo desconhecido.
Se há uma coisa que nos foi gravada a ferro na nossa cabeça, é o conceito de “verdade”. É certo que hoje em dia percebemos que, para a Organização, “A Verdade” é aquilo que em dado momento é ensinado pelo Corpo Governante, e pode mudar radicalmente em questão de poucos anos; é uma verdade fluida, em constante actualização, a chamada “verdade actual”, uma “luz que clareia mais e mais”, mas que raramente permanece igual ao longo do tempo. Mas fomos ensinados a ter um compromisso com a verdade. Valorizamos a verdade. Queremos saber a verdade. Queremos viver de acordo com a verdade. Não comprometemos a verdade. A mentira, foi-nos ensinado, é filha do Diabo. E aí reside o cerne da questão.
O MAU E O FEIO
Quando descobrimos que muitas doutrinas são mentiras sem suporte bíblico; quando descobrimos que a organização hipocritamente ensina uma coisa e secretamente faz outra; quando descobrimos que a liberdade que nos prometeram afinal é uma prisão do pensamento; quando descobrimos que a Organização tem muitos podres e esqueletos no armário e mente descaradamente para ocultar os factos; quando descobrimos que a Organização mente a respeito da sua história; quando descobrimos que a Bíblia não é um livro divinamente inspirado, mas apenas as palavras de homens; quando descobrimos que Deus e Cristo não são aquilo que nos fizeram crer; quando descobrimos que nos mentiram deliberadamente e que aquilo que tomámos como verdade, afinal não o é ... aí vem ao de cima o nosso compromisso com a verdade. Não “A Verdade” da Organização, mas a verdade enquanto conceito abstracto. E viver “A Verdade” que afinal está construída sobre a mentira torna-se um fardo insuportável. Aí percebemos o mau e o feio que anteriormente nos recusávamos a ver.
Começamos a perceber a idolatria prestada á Organização e ao Corpo Governante; começamos a perceber que a Organização é embaraçosamente humana e que a actuação do “espírito santo” na sua direcção é uma ilusão; começamos a perceber que a Organização é, desde os seus primórdios, um empreendimento humano, semelhante a uma empresa, que visa a acumulação de riqueza com vista meramente á sua sobreviência e perpetuação; começamos a perceber que as coisas que eram tidas como verdades inquestionáveis mudam de acordo com as conveniências dos tempos; começamos a perceber que a “bênção de Jeová” sobre a obra não passa de mera propaganda; omeçamos a perceber que muitos são meramente servos da Organização e não de Deus ou de Cristo; começamos a perceber que os nossos amigos são-no apenas e só na condição de nos mantermos activos e com boa reputação dentro da congregação; começamos a perceber como muitos levam vidas duplas e conseguem safar-se com isso; começamos a perceber que há dois pesos e duas medidas e favoritismos dentro da Organização; começamos a perceber que somos peças descartáveis numa engrenagem global onde a nossa pessoa pouco ou nada vale; começamos a perceber que aquilo que tanto criticamos em outras religiões, também o fazemos; começamos a perceber que a nossa tradução da Bíblia é tendenciosa; que a Organização não hesita em mentir e colocar fora de contexto autores seculares para paracer que apoiam as suas teses; que a Organização, ao invés de “amar os inimigos e orar pelos que perseguem, fomenta o ódio visceral aos dissidentes, a quem aplica o termo emocionalmente carregado de “apóstatas”; começamos, enfim, a perceber que Jeová e Cristo nada têm a ver com esta Organização – quer seja porque não é concebivel que eles pudessem compactuar com esta miséria moral, quer seja porque agora a própria existência de Jeová e de um Cristo-Rei não mais pareçam plausíveis.
O QUE ESCOLHER?
Quando pesamos na balança o bom e o bonito, por um lado, e o mau e o feio, por outro ... o que decidimos fazer?
Por mim, o compromisso com a verdade é mais importante. Não importa o preço a pagar. “Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”, disse Jesus. É um princípio muito válido. Quando aprendi a verdade a respeito da “Verdade”, foi aí que principiei a libertar-me. Dói, e é desconfortável aventurarmos-nos para o desconhecido, para fora da nossa zona de conforto. Mas, no meu caso pessoal, é preferível isso, do que viver naquilo que sei que é uma mentira.
EdenOne
Em primeiro lugar, uma declaração de interesses: Sou da opinião que todas as religiões, em maior ou menor grau, são “cultos”.
O QUE É UM CULTO
A etimologia da palavra culto vêm do latim cultus, que significa em concreto cuidar, cultivar (cultivare) e em abstracto venerar e adorar. Na sua acepção generalista moderna, “culto” pode ser definido como “sistema de crenças e rituais religiosos dirigidos a uma figura particular ou objecto; profunda crença em poder ou poderes sobrenaturais que governam os destinos da humanidade”. O Cristianismo venera Deus e Jesus Cristo; o Islão venera Allah e o seu profeta Maomé; O judaísmo venera Yahweh; o Zoroastrianismo venera Aura Mazda; O budismo venera Buda; o Hinduísmo venera Brahma, Vishnu, Shiva e uma multidão de outras divindades.... sobre todos estes se pode dizer que são sistemas de crenças e rituais dirigidos a uma figura particular (a divindade, o seu profeta, o seu filho....) com poderes sobrenaturais que lhe permitem decidir ou condicionar o futuro da humanidade e dos humanos. Sob este ponto de vista, TODAS as religiões são cultos. Apenas, alguns cultos atingiram o estatuto mais respeitável de “religião” quando se tornaram dominantes em certas geografias. Mas, na origem, todas são cultos.
Depois há a definição derrogatória de “culto”: “Religião ou seita religiosa considerada extremista ou falsa, em que seus membros usualmente vivem de maneira pouco convencional sob a liderança de um líder carismático e autoritário”. Esta definição é problemática, por vários motivos, porque está dependente de critérios demasiado subjectivos; por exemplo, o que é uma “religião falsa”? O que é viver de maneira “pouco convencional”? Depende de quem responde a essa pergunta. Quando se fala em “culto”, tanto do ponto de vista teológico, como do ponto de vista sociológico, é preciso qualificar esse termo, a fim de evitar imprecisões e confusões.
É NECESSÁRIO QUALIFICAR UM CULTO
Do ponto de vista sociológico, um culto pode ser qualificado como “destrutivo”, se causa impacto negativo na saúde física e mental dos aderentes, nas suas finanças, e nas suas relações. Um culto pode ser classificado como de “alta exigência” ou “alto controle mental” se: os seus membros seguem uma liderança com zelo e admiração exacerbados e acríticos; se estão focados no recrutamento de novos membros; se a dúvida, o questionamento e o pensamento desviante ou dissidente são desencorajados e punidos; se todos os aspectos da vida são ditados em pormenor pela liderança, quanto a como pensar e como agir; se a liderança e os membros do grupo não se consideram obrigados a prestar contas ás autoridades seculares; se o grupo usa técnicas de supressão do pensamento crítico; se o grupo é elitista, procurando a pureza e a separação face aos demais; se a mentalidade polarizada (nós versus eles) é usada como meio de identidade de grupo; se a liderança usa a culpa como meio de controlar os aderentes; se a liderança encoraja ou obriga ao corte de relações com não-aderentes; se a liderança encoraja a socialização apenas com aderentes desse grupo; e a liderança exige um inusitado volume de tempo e disponibilidade para o aderente dedicar ás actividades do grupo.
De qualquer modo, acho que todos podemos concordar que, sob qualquer prisma, as Testemunhas de Jeová são um culto; quer do ponto de vista teológico - viola as normas das correntes mais ortodoxas, ou mainstream, do Cristianismo - como também, do ponto de vista sociológico encaixa na definição de culto destrutivo de alto controle mental.
PORQUE DECIDIMOS SAIR
Há diferentes motivos que podem accionar a vontade de um indivíduo se tornar dissidente das Testemunhas de Jeová. A Organização quer fazer crer que aqueles que se afastam por vontade própria, fazem-no invariavelmente por não conseguirem ou não quererem “viver á altura das elevadas normas de Jeová”; ou seja, nunca saem por discordarem da validade das doutrinas, e práticas, ou por se terem apercebido de corrupção e práticas escandalosas, ou por esgotamento psíquico e emocional, ou por não haver evidências que suportem a crença em deidades; não – a culpa é seguramente de algum defeito moral do dissidente, nunca da religião, e muito menos de Jeová e de Cristo, que, com certeza não terão culpa de nada.
A verdade é que quem se afastou ou cogita afastar-se das Testemunhas de Jeová por vontade própria raramente o faz por se sentir incapaz de “viver á altura das elevadas normas de Jeová” (leia-se: fazer o que o Corpo Governante ensina que se deve fazer). Na realidade, muitos de nós passámos muitos anos da nossa vida bastante confortáveis a viver á altura dessas “elevadas normas”. Muitos de nós tínhamos prazer em “gastar-nos em prol do Reino” e tínhamos orgulho em seguir padrões de moral e de conduta mais elevados - ou pelo menos assim imaginávamos - do que as demais pessoas “do mundo”.
Portanto, para todos nós, houve uma época em que gostávamos de ser Testemunhas de Jeová. Havia algo que, pese embora os desafios inerentes a se levar um estilo de vida pouco convencional face á normal social vigente, nos dava sentido á vida e grande satisfação interior. Era isso que nos mantinha interessados e envolvidos. No fundo, como muitos dizem com uma certa nostalgia, “nem tudo era mau”.
O BOM E O BONITO
Quais são (ou eram) algumas dessas coisas que achamos que foram positivas na nossa experiência como Testemunhas de Jeová?
Talvez fosse o facto de que as Testemunhas ofereciam uma explicação aparentemente plausível para as dificuldades e os sofrimentos da vida e porque é que Deus as consente, o que nos permitia olhar para o mundo á nossa volta e as coisas pareciam fazer sentido; talvez fosse a figura de Jeová nos ser apresentada como um pai amoroso que se interessava pessoalmente por nós, e com o qual nós nos podíamos relacionar, e isso nos servir de conforto; talvez fosse a incrível esperança de poder viver para sempre num paraíso na terra, livres de doenças, ansiedades e dificuldades; talvez fosse a esperança da ressurreição; talvez fosse a crença de que o Reino de Deus acabasse com a iniquidade e a violência e introduzisse um sistema de governo justo em que as nossas necessidades fossem plenamente atendidas; talvez fosse a comunidade dos crentes, semelhante a uma enorme e amorosa família, onde nos sentíamos imediatamente integrados, e onde cada um era potencialmente um amigo e um irmão; talvez fosse a sensação de termos um propósito na vida, e que o nosso trabalho árduo em prol dos interessas da Organização contribuísse directamente para a realização desse propósito; talvez fosse o sentimento interior de bem-estar que vinha da sensação de estarmos a ajudar outras pessoas a melhorar a sua vida; talves fosse a convicção sincera de que o código de conduta moral prescrito é superior a todos os demais; talvez fosse o facto de nos sentirmos integrados e em comunhão com as pessoas mais importantes da nossa vida, os nossos familiares e amigos. Ou ainda outros motivos. Todos esses motivos são bondosos, nobres e belos.
Todos os motivos acima listados são razões de peso que podem manter alguém dentro da Organização, ou motivar aqueles que foram desassociados a regressar. Então, porquê sair e abrir mão disso tudo?
PONDERAR BEM NO NOSSO COMPROMISSO COM A VERDADE
Obviamente, tem que haver motivos fortíssimos para que alguém decida, após prolongada ponderação e reflexão, abandonar as Testemunhas de Jeová. Nunca essa decisão é fácil ou tomada de ânimo leve. Alguns de nós agonizaram durante anos, muitas vezes á custa da nossa saúde física e emocional, sobre o dilema de ficar ou sair. Muitos de nós fizemos disso assunto de intensa e ferverosa oração a Jeová, pedindo ajuda e orientação sobre o que fazer. Muitos imaginámos que Jeová Deus não é culpado da Organização que leva o seu nome se ter corrompido e desviado da pureza espiritual, mas que a seu tempo isso seria corrigido, e que deveríamos esperar para ver. Portanto, não é por capricho, por fraqueza espiritual ou moral, ou por birra que alguém decide deitar a perder o investimento de uma vida, onde nos sentíamos seguros e confortáveis, e trocar isso pelo desconhecido.
Se há uma coisa que nos foi gravada a ferro na nossa cabeça, é o conceito de “verdade”. É certo que hoje em dia percebemos que, para a Organização, “A Verdade” é aquilo que em dado momento é ensinado pelo Corpo Governante, e pode mudar radicalmente em questão de poucos anos; é uma verdade fluida, em constante actualização, a chamada “verdade actual”, uma “luz que clareia mais e mais”, mas que raramente permanece igual ao longo do tempo. Mas fomos ensinados a ter um compromisso com a verdade. Valorizamos a verdade. Queremos saber a verdade. Queremos viver de acordo com a verdade. Não comprometemos a verdade. A mentira, foi-nos ensinado, é filha do Diabo. E aí reside o cerne da questão.
O MAU E O FEIO
Quando descobrimos que muitas doutrinas são mentiras sem suporte bíblico; quando descobrimos que a organização hipocritamente ensina uma coisa e secretamente faz outra; quando descobrimos que a liberdade que nos prometeram afinal é uma prisão do pensamento; quando descobrimos que a Organização tem muitos podres e esqueletos no armário e mente descaradamente para ocultar os factos; quando descobrimos que a Organização mente a respeito da sua história; quando descobrimos que a Bíblia não é um livro divinamente inspirado, mas apenas as palavras de homens; quando descobrimos que Deus e Cristo não são aquilo que nos fizeram crer; quando descobrimos que nos mentiram deliberadamente e que aquilo que tomámos como verdade, afinal não o é ... aí vem ao de cima o nosso compromisso com a verdade. Não “A Verdade” da Organização, mas a verdade enquanto conceito abstracto. E viver “A Verdade” que afinal está construída sobre a mentira torna-se um fardo insuportável. Aí percebemos o mau e o feio que anteriormente nos recusávamos a ver.
Começamos a perceber a idolatria prestada á Organização e ao Corpo Governante; começamos a perceber que a Organização é embaraçosamente humana e que a actuação do “espírito santo” na sua direcção é uma ilusão; começamos a perceber que a Organização é, desde os seus primórdios, um empreendimento humano, semelhante a uma empresa, que visa a acumulação de riqueza com vista meramente á sua sobreviência e perpetuação; começamos a perceber que as coisas que eram tidas como verdades inquestionáveis mudam de acordo com as conveniências dos tempos; começamos a perceber que a “bênção de Jeová” sobre a obra não passa de mera propaganda; omeçamos a perceber que muitos são meramente servos da Organização e não de Deus ou de Cristo; começamos a perceber que os nossos amigos são-no apenas e só na condição de nos mantermos activos e com boa reputação dentro da congregação; começamos a perceber como muitos levam vidas duplas e conseguem safar-se com isso; começamos a perceber que há dois pesos e duas medidas e favoritismos dentro da Organização; começamos a perceber que somos peças descartáveis numa engrenagem global onde a nossa pessoa pouco ou nada vale; começamos a perceber que aquilo que tanto criticamos em outras religiões, também o fazemos; começamos a perceber que a nossa tradução da Bíblia é tendenciosa; que a Organização não hesita em mentir e colocar fora de contexto autores seculares para paracer que apoiam as suas teses; que a Organização, ao invés de “amar os inimigos e orar pelos que perseguem, fomenta o ódio visceral aos dissidentes, a quem aplica o termo emocionalmente carregado de “apóstatas”; começamos, enfim, a perceber que Jeová e Cristo nada têm a ver com esta Organização – quer seja porque não é concebivel que eles pudessem compactuar com esta miséria moral, quer seja porque agora a própria existência de Jeová e de um Cristo-Rei não mais pareçam plausíveis.
O QUE ESCOLHER?
Quando pesamos na balança o bom e o bonito, por um lado, e o mau e o feio, por outro ... o que decidimos fazer?
Por mim, o compromisso com a verdade é mais importante. Não importa o preço a pagar. “Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”, disse Jesus. É um princípio muito válido. Quando aprendi a verdade a respeito da “Verdade”, foi aí que principiei a libertar-me. Dói, e é desconfortável aventurarmos-nos para o desconhecido, para fora da nossa zona de conforto. Mas, no meu caso pessoal, é preferível isso, do que viver naquilo que sei que é uma mentira.
EdenOne
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Re: O BOM E O BONITO, O FEIO E O MAU - O balanço de uma vida num culto
Obrigada! Brilhante texto!
PenaBranca- Membros
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Re: O BOM E O BONITO, O FEIO E O MAU - O balanço de uma vida num culto
mais um brilhante texto EdenOne. Eu tenho (desculpem falar muito na 1a pessoa) relações nao direi amigos ainda menos irmãos desassociados e com eles falo sobre os podres da organização. Tenho de ser muito subtil porque se não eles ficam na defensiva. Este texto vai ajudar-me bastante.
HALDYS- Membros
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Re: O BOM E O BONITO, O FEIO E O MAU - O balanço de uma vida num culto
EdenOne escreveu: PORQUE DECIDIMOS SAIR
Há diferentes motivos que podem accionar a vontade de um indivíduo se tornar dissidente das Testemunhas de Jeová. A Organização quer fazer crer que aqueles que se afastam por vontade própria, fazem-no invariavelmente por não conseguirem ou não quererem “viver á altura das elevadas normas de Jeová”; ou seja, nunca saem por discordarem da validade das doutrinas, e práticas, ou por se terem apercebido de corrupção e práticas escandalosas, ou por esgotamento psíquico e emocional, ou por não haver evidências que suportem a crença em deidades; não – a culpa é seguramente de algum defeito moral do dissidente, nunca da religião, e muito menos de Jeová e de Cristo, que, com certeza não terão culpa de nada.
A verdade é que quem se afastou ou cogita afastar-se das Testemunhas de Jeová por vontade própria raramente o faz por se sentir incapaz de “viver á altura das elevadas normas de Jeová” (leia-se: fazer o que o Corpo Governante ensina que se deve fazer). Na realidade, muitos de nós passámos muitos anos da nossa vida bastante confortáveis a viver á altura dessas “elevadas normas”. Muitos de nós tínhamos prazer em “gastar-nos em prol do Reino” e tínhamos orgulho em seguir padrões de moral e de conduta mais elevados - ou pelo menos assim imaginávamos - do que as demais pessoas “do mundo”.
Portanto, para todos nós, houve uma época em que gostávamos de ser Testemunhas de Jeová. Havia algo que, pese embora os desafios inerentes a se levar um estilo de vida pouco convencional face á normal social vigente, nos dava sentido á vida e grande satisfação interior. Era isso que nos mantinha interessados e envolvidos. No fundo, como muitos dizem com uma certa nostalgia, “nem tudo era mau”.
EdenOne
Muitos parabéns EdenOne por mais esta dissertação que expõe de forma muito clara o porquê de muitos de nós já não querermos mais voltar a fazer parte de uma organização que nos manipulou mentalmente por anos. Destaco esta parte do artigo apenas para dizer que é verdade que muitos foram desassociados por não conseguirem viver segundo as normas estabelecidas como passiveis de expulsão, mas também é verdade que o Corpo Governante e seus lacaios colocam todos no mesmo saco. Para estes, aquele que discorda, aquele que se expressa com argumentos sólidos contra os ensinos lampejantes do EFD é um apóstata merecedor da morte. Basta ver o tratamento dado aos que são desassociados e os que se dissociam. São tratados da mesma forma.
hocosi- Moderador
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Re: O BOM E O BONITO, O FEIO E O MAU - O balanço de uma vida num culto
Olá EdenOne,
Gostei MUITO do teu texto e fizeste uma excelente análise.
Parabéns.
Kristy
Gostei MUITO do teu texto e fizeste uma excelente análise.
Parabéns.
Kristy
Kristy123- Moderador
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Re: O BOM E O BONITO, O FEIO E O MAU - O balanço de uma vida num culto
hocosi escreveu:
Para estes, aquele que discorda, aquele que se expressa com argumentos sólidos contra os ensinos lampejantes do EFD é um apóstata merecedor da morte.
Hocosi, não é EFD, agora chama-se EFP
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Re: O BOM E O BONITO, O FEIO E O MAU - O balanço de uma vida num culto
Não é nada....
É EDP
(Eau de Parfum)
Kristy123- Moderador
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Re: O BOM E O BONITO, O FEIO E O MAU - O balanço de uma vida num culto
myguel.pt escreveu:
Hocosi, não é EFD, agora chama-se EFP
O que é EFP???
Escravo Fedorento e Piroso?
Escravo Fanfarrão e Prepotente?
Escravo Fanhoso e Parasita?
EdenOne
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Re: O BOM E O BONITO, O FEIO E O MAU - O balanço de uma vida num culto
Deve ser Escravo Falso e Putrefato.EdenOne escreveu:myguel.pt escreveu:
Hocosi, não é EFD, agora chama-se EFP
O que é EFP???
Escravo Fedorento e Piroso?
Escravo Finório e Prepotente?
EdenOne
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Re: O BOM E O BONITO, O FEIO E O MAU - O balanço de uma vida num culto
Ahahah todas as opções são boas opções, mas agora chamam de Escravo Fiel e Prudente.
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Re: O BOM E O BONITO, O FEIO E O MAU - O balanço de uma vida num culto
Escravo Prudente? Só se for para os bolsos deles, há que ter prudência nos investimentos em acções e no imobiliário.
Parabéns EderOne, o texto está muito bem conseguido, na minha modesta opinião fizeste uma análise espectacular.
Não deixa de ser triste enorme desilusão que muitos de nós tivemos. É como um desgosto de amor só que... quando é um desgosto de amor a pessoa pode substituir esse vazio apaixonando-se por outra pessoa. Neste caso da religião em si resulta muito mais complicado, o contexto abrange praticamente todos os aspectos da vida devido a essa barbaridade que se chama desassociação.
Cristo é liberdade, não é opressão.
Na minha opinião, as TJ´s num todo não sabem nazquilo que se meteram e tal como disseste aquelas que se aperceberam da aldrabice levam vida dupla ou pregam "para inglês ver".
Por aqui é sempre a mesma coisa: é vê-los dum lado para outro passeando devagar, devagarinho, ora senta aqui ou acolá, depois vai um cafezinho e lá vão eles conversando para aliviar o stress e passar o tempo porque no seu íntimo já estão fartos da mesma ladaínha.
Parabéns EderOne, o texto está muito bem conseguido, na minha modesta opinião fizeste uma análise espectacular.
Não deixa de ser triste enorme desilusão que muitos de nós tivemos. É como um desgosto de amor só que... quando é um desgosto de amor a pessoa pode substituir esse vazio apaixonando-se por outra pessoa. Neste caso da religião em si resulta muito mais complicado, o contexto abrange praticamente todos os aspectos da vida devido a essa barbaridade que se chama desassociação.
Cristo é liberdade, não é opressão.
Na minha opinião, as TJ´s num todo não sabem nazquilo que se meteram e tal como disseste aquelas que se aperceberam da aldrabice levam vida dupla ou pregam "para inglês ver".
Por aqui é sempre a mesma coisa: é vê-los dum lado para outro passeando devagar, devagarinho, ora senta aqui ou acolá, depois vai um cafezinho e lá vão eles conversando para aliviar o stress e passar o tempo porque no seu íntimo já estão fartos da mesma ladaínha.
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