"Escrevo para que as pessoas sintam que não são uma aberração"
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"Escrevo para que as pessoas sintam que não são uma aberração"
Isabel Moreira.
Por FERNANDA CÂNCIO 23 agosto 2008
Constitucionalista, escritora, bloguista, assessora do ministro Luís Amado, filha do ex-presidente do CDS e ex-ministro de Salazar Adriano Moreira, é defensora ardente do casamento das pessoas do mesmo sexo e uma acérrima crítica do fundamentalismo católico. Retrato de uma ansiosa rebelde
Nasceu no dia em que a Constituição foi aprovada. Havia de ser constitucionalista, estava destinado. Mesmo se ela, a quarta dos seis filhos do casal Isabel Lima Mayer e Adriano Moreira, via a luz no Rio de Janeiro, para onde os pais tinham fugido de um país entregue ao furor pré-democrático, e só aos dois anos pisaria Portugal. Não se lembra de nada do Brasil, mesmo se no seu amor pela água ("Tenho de viver num sítio onde se veja água, e adoro nadar, nado distâncias disparatadas") e na cor da pele parece ter trazido um pouco dos trópicos.
Da febre saneadora dos anos revolucionários, em contraste, nada: "Nunca apanhei a conversa do 'fascista'. Sempre senti um grande consenso em relação à figura do meu pai, apesar de ter sido um ministro de Salazar. Mesmo em relação à experiência que teve no parlamento, do que me lembro é que mesmo os adversários o ouviam." Afinal, a experiência havia de ser um pouco ao contrário. Com receio da bagunça que acreditavam ser o sistema de ensino público à época, os pais colocaram Isabel no colégio Mira Rio. "Estive lá dos 3 aos 15. É um colégio da Opus Dei e fez-me muito mal. Foi muito duro para mim criar uma individualidade contra aquilo. A repressão sexual, então, é uma coisa terrível - havia um cardápio de perguntas sobre o sexto mandamento ('guardai castidade sobre pensamentos e palavras') em que o padre nos fazia perguntas do género 'não terás demorado demasiado tempo no banho a contemplar o teu corpo?'. Nunca tinha pensado no meu corpo passei a pensar obsessivamente... e nunca mais parei".
A experiência, que inspirou o segundo livro de Isabel (Uma palavra não basta, editora Prefácio, 2007 - o primeiro é Pessoas só, de 2004, mesma editora), resultou "numa caminhada pesadíssima na minha vida. Só quando leram o livro os meus pais se deram conta." Escrever, que foi também "uma vingança disso, dessa ideia do deus da vingança e não do deus do amor", surgiu então como uma espécie de terapia, por influência de um professor do liceu Rainha D. Amélia, o também escritor Rui Nunes ("a pessoa que mais me marcou na vida"). Daí o nome do seu blogue, Consolação, e o endereço irónico: www.myvictam.blogspot.com."Victam é um anseolítico", informa, com uma gargalhada. "Sofro imenso de ansiedade, e escrevo para não sofrer - todos nós, de maneira ou de outra, carregamos a nossa história. E a minha é no sentido literário muito autobiográfica. Escrevo muito sobre o sofrimento e sobre estados limites de exclusão e inadaptação ao mundo real, e tenho a esperança de comunicar através da escrita com pessoas na mesma situação, e que elas sintam que não são uma aberração."
A ruptura com Deus - primeiro com o deus castigador do Mira Rio e depois com a ideia do divino - veio por fases. "Aos 15 anos o meu pai colocou-me no ensino público. ele queria tirar-me daquilo, o peso da religião vinha sobretudo da família da minha mãe. Descobri o mundo, foi uma derrocada interior muito forte e depois uma felicidade muito grande. Continuei católica por algum tempo, entrei para grupos de reflexão religiosa que falavam de um deus do amor, de um deus pai, o que para mim era uma descoberta espantosa. Era já muito crítica em relação a certas posições da Igreja, por exemplo em relação aos homossexuais, ao papel das mulheres, etc, até que, aos 22 anos, descobri que me faltava o essencial: acreditar. Foi a maior perda da minha vida, perdi Deus. Para mim a morte de Deus foi a morte do sentido. Foi um deserto terrível e na minha família uma grande solidão, porque sou a única. Mas já estão habituados a que seja a pessoa da ruptura." Com o pai, diz, tem "conversas fascinantes sobre a fé". Ambos leram Deus não é grande, o mui ateu livro de Christopher Hitchens. "Gostámos muito e falámos sobre isso."
Entre esta filha e este pai, entre a fervorosa defensora da igualdade e da liberdade que não tem medo de afirmar que os direitos fundamentais não podem ser decididos pela vontade das maiorias e que acusa a cobardia de políticos e juristas que "silenciam o tema do casamento das pessoas do mesmo sexo apesar de o assunto estar em análise no tribunal constitucional" e se diz "infiliável em partidos" e o homem que serviu Salazar como ministro mas, faz ela questão de recordar, "foi preso pela PIDE duas vezes e tem uma irmã comunista", não parece haver tabus nem interditos. Quase uma parábola da democracia - quem dera que do país.|
Fonte: http://www.dn.pt/inicio/interior.aspx?content_id=1128186&page=-1
Como eu a compreendo!
Por FERNANDA CÂNCIO 23 agosto 2008
Constitucionalista, escritora, bloguista, assessora do ministro Luís Amado, filha do ex-presidente do CDS e ex-ministro de Salazar Adriano Moreira, é defensora ardente do casamento das pessoas do mesmo sexo e uma acérrima crítica do fundamentalismo católico. Retrato de uma ansiosa rebelde
Nasceu no dia em que a Constituição foi aprovada. Havia de ser constitucionalista, estava destinado. Mesmo se ela, a quarta dos seis filhos do casal Isabel Lima Mayer e Adriano Moreira, via a luz no Rio de Janeiro, para onde os pais tinham fugido de um país entregue ao furor pré-democrático, e só aos dois anos pisaria Portugal. Não se lembra de nada do Brasil, mesmo se no seu amor pela água ("Tenho de viver num sítio onde se veja água, e adoro nadar, nado distâncias disparatadas") e na cor da pele parece ter trazido um pouco dos trópicos.
Da febre saneadora dos anos revolucionários, em contraste, nada: "Nunca apanhei a conversa do 'fascista'. Sempre senti um grande consenso em relação à figura do meu pai, apesar de ter sido um ministro de Salazar. Mesmo em relação à experiência que teve no parlamento, do que me lembro é que mesmo os adversários o ouviam." Afinal, a experiência havia de ser um pouco ao contrário. Com receio da bagunça que acreditavam ser o sistema de ensino público à época, os pais colocaram Isabel no colégio Mira Rio. "Estive lá dos 3 aos 15. É um colégio da Opus Dei e fez-me muito mal. Foi muito duro para mim criar uma individualidade contra aquilo. A repressão sexual, então, é uma coisa terrível - havia um cardápio de perguntas sobre o sexto mandamento ('guardai castidade sobre pensamentos e palavras') em que o padre nos fazia perguntas do género 'não terás demorado demasiado tempo no banho a contemplar o teu corpo?'. Nunca tinha pensado no meu corpo passei a pensar obsessivamente... e nunca mais parei".
A experiência, que inspirou o segundo livro de Isabel (Uma palavra não basta, editora Prefácio, 2007 - o primeiro é Pessoas só, de 2004, mesma editora), resultou "numa caminhada pesadíssima na minha vida. Só quando leram o livro os meus pais se deram conta." Escrever, que foi também "uma vingança disso, dessa ideia do deus da vingança e não do deus do amor", surgiu então como uma espécie de terapia, por influência de um professor do liceu Rainha D. Amélia, o também escritor Rui Nunes ("a pessoa que mais me marcou na vida"). Daí o nome do seu blogue, Consolação, e o endereço irónico: www.myvictam.blogspot.com."Victam é um anseolítico", informa, com uma gargalhada. "Sofro imenso de ansiedade, e escrevo para não sofrer - todos nós, de maneira ou de outra, carregamos a nossa história. E a minha é no sentido literário muito autobiográfica. Escrevo muito sobre o sofrimento e sobre estados limites de exclusão e inadaptação ao mundo real, e tenho a esperança de comunicar através da escrita com pessoas na mesma situação, e que elas sintam que não são uma aberração."
A ruptura com Deus - primeiro com o deus castigador do Mira Rio e depois com a ideia do divino - veio por fases. "Aos 15 anos o meu pai colocou-me no ensino público. ele queria tirar-me daquilo, o peso da religião vinha sobretudo da família da minha mãe. Descobri o mundo, foi uma derrocada interior muito forte e depois uma felicidade muito grande. Continuei católica por algum tempo, entrei para grupos de reflexão religiosa que falavam de um deus do amor, de um deus pai, o que para mim era uma descoberta espantosa. Era já muito crítica em relação a certas posições da Igreja, por exemplo em relação aos homossexuais, ao papel das mulheres, etc, até que, aos 22 anos, descobri que me faltava o essencial: acreditar. Foi a maior perda da minha vida, perdi Deus. Para mim a morte de Deus foi a morte do sentido. Foi um deserto terrível e na minha família uma grande solidão, porque sou a única. Mas já estão habituados a que seja a pessoa da ruptura." Com o pai, diz, tem "conversas fascinantes sobre a fé". Ambos leram Deus não é grande, o mui ateu livro de Christopher Hitchens. "Gostámos muito e falámos sobre isso."
Entre esta filha e este pai, entre a fervorosa defensora da igualdade e da liberdade que não tem medo de afirmar que os direitos fundamentais não podem ser decididos pela vontade das maiorias e que acusa a cobardia de políticos e juristas que "silenciam o tema do casamento das pessoas do mesmo sexo apesar de o assunto estar em análise no tribunal constitucional" e se diz "infiliável em partidos" e o homem que serviu Salazar como ministro mas, faz ela questão de recordar, "foi preso pela PIDE duas vezes e tem uma irmã comunista", não parece haver tabus nem interditos. Quase uma parábola da democracia - quem dera que do país.|
Fonte: http://www.dn.pt/inicio/interior.aspx?content_id=1128186&page=-1
Como eu a compreendo!
hocosi- Moderador
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Re: "Escrevo para que as pessoas sintam que não são uma aberração"
... E o mundo, com pessoas assim, seria um bocadinho melhor! Tenho quase a certeza disso!
(...)"entre a fervorosa defensora da igualdade e da liberdade que não tem medo de afirmar que os direitos fundamentais não podem ser decididos pela vontade das maiorias"(...)
Fernanda Câncio (no texto trazido acima)
E, de vez em quando, de quando em vez, lá vou percebendo que não penso sozinho!...
(...)"entre a fervorosa defensora da igualdade e da liberdade que não tem medo de afirmar que os direitos fundamentais não podem ser decididos pela vontade das maiorias"(...)
Fernanda Câncio (no texto trazido acima)
E, de vez em quando, de quando em vez, lá vou percebendo que não penso sozinho!...
mjp- Forista desativado
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Re: "Escrevo para que as pessoas sintam que não são uma aberração"
Caro mjp, revejo-me nestas palavras:
Foi a maior perda da minha vida, perdi Deus. Para mim a morte de Deus foi a morte do sentido. Foi um deserto terrível e na minha família uma grande solidão
hocosi- Moderador
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Re: "Escrevo para que as pessoas sintam que não são uma aberração"
Ah! Nada de mal entendidos. Concordo em absoluto com a frase que coloquei a negrito. Agora, pelos vistos discordo daquilo que alguns consideram direitos fundamentais... mas, aí, também não devo estar a pensar sozinho!
mjp- Forista desativado
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Re: "Escrevo para que as pessoas sintam que não são uma aberração"
hocosi escreveu: Caro mjp, revejo-me nestas palavras:Foi a maior perda da minha vida, perdi Deus. Para mim a morte de Deus foi a morte do sentido. Foi um deserto terrível e na minha família uma grande solidão
Compreendo. Tanto quanto isso me é humanamente possível.
Lutei muito interiormente, também, para que Ele não desistisse de mim...
E confesso, que só posso admirar quem não acredita... mas quem acreditou e deixou de acreditar, em minha opinião, foi essa pessoa que desistiu Dele e não o contrário!
mjp- Forista desativado
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Re: "Escrevo para que as pessoas sintam que não são uma aberração"
mjp escreveu:Ah! Nada de mal entendidos. Concordo em absoluto com a frase que coloquei a negrito. Agora, pelos vistos discordo daquilo que alguns consideram direitos fundamentais... mas, aí, também não devo estar a pensar sozinho!
Claro que não. A ideia de liberdade não pode ser irrestrita. Nós humanos somos por natureza seres gregários. Quando experimentamos papéis que nós ambicionamos mas que vão contra os sentimentos do grupo a que pertencemos, o risco da exclusão torna-se visível. O resultado poderá ser entrarmos em choque com o grupo e connosco mesmos por estarmos a procurar fazer coisas não desejadas e com isso vivermos em constante frustração
hocosi- Moderador
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Re: "Escrevo para que as pessoas sintam que não são uma aberração"
hocosi escreveu:mjp escreveu:Ah! Nada de mal entendidos. Concordo em absoluto com a frase que coloquei a negrito. Agora, pelos vistos discordo daquilo que alguns consideram direitos fundamentais... mas, aí, também não devo estar a pensar sozinho!
Claro que não. A ideia de liberdade não pode ser irrestrita. Nós humanos somos por natureza seres gregários. Quando experimentamos papéis que nós ambicionamos mas que vão contra os sentimentos do grupo a que pertencemos, o risco da exclusão torna-se visível. O resultado poderá ser entrarmos em choque com o grupo e connosco mesmos por estarmos a procurar fazer coisas não desejadas e com isso vivermos em constante frustração
Embora concorde contigo na análise, discordo da consequência... o tal risco de exclusão!
Mas o que eu quis dizer acima foi outra coisa... mas como entrecortei as ideias a culpa de não me ter explicado bem é minha. O que eu quis salientar ao concordar com a Fernanda Câncio sobre os direitos fundamentais não poderem estar vinculados às maiorias, prende-se com o facto de Direitos Fundamentais e Direito Natural estarem unidos por um fio de raciocínio condutor que é intransponível; assim, o direito à vida, por exemplo, é um direito natural que desemboca na construção jurídica dos Direitos Fundamentais; também o são, por exemplo, o direito à igualdade, à dignidade, à liberdade, etc, e tais concepções jusnaturalistas não podem depender de maiorias que decidam, por exemplo, que matar por dá cá aquela palha é legítimo, que um branco é mais digno que um amarelo e por aí fora.
Mas, como ela inclui nos direitos fundamentais o direito ao casamento por parte dos homossexuais (já aqui tivemos esse debate, não volto a ele), há que estabelecer se, no âmbito do Direito Natural, tal pode ser considerado como um direito natural, ou seja, um direito próprio da própria ordem natural das coisas, para depois, então sim, fazer o percurso lógico até essa consagração nos Direitos Fundamentais.
Neste ultimo ponto, naturalmente, discordo. Daí a minha ressalva: com a frase a negrito concordo, com o aspecto jurídico no qual ela fundamenta o direito ao casamento homossexual, como sabes, discordo.
Última edição por mjp em Sáb Jul 13 2013, 23:16, editado 1 vez(es)
mjp- Forista desativado
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Re: "Escrevo para que as pessoas sintam que não são uma aberração"
mjp escreveu:Ah! Nada de mal entendidos. Concordo em absoluto com a frase que coloquei a negrito. Agora, pelos vistos discordo daquilo que alguns consideram direitos fundamentais... mas, aí, também não devo estar a pensar sozinho!
Também concordo contigo neste aspeto. Não estás sozinho nessa questão sensível a que te referes. Penso que não necessitamos voltar a falar do assunto.
hocosi- Moderador
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