O Fim do Mundo - Faltam 5 Dias!

Bugarach vive os últimos dias de tranquilidade. A aldeia francesa, nos Pirinéus, com 146 habitantes, é a esperança. Já começaram as peregrinações. É o único lugar no Planeta (dizem) que irá sobreviver ao fim do Mundo – segundo interpretações conspiratórias do calendário Maia, um planeta irá colidir com a Terra dia 21 de Dezembro. Só que em Bugarach há incrédulos e bons negociantes: casas para alugar aos visitantes a dois mil euros por dia; ou pedras da ‘terra imortal’ por dois euros. "Nunca alguém na cultura Maia fez esta previsão", advoga Inês Varela-Silva, investigadora na Universidade de Loughborough, Reino Unido.

Os Maias vivem hoje nos estados mexicanos de Chiapas, Quintana Roo, Campeche e Yucatan. Em Belize. E na Guatemala. Muitos emigraram para os EUA. A maior parte luta contra a pobreza, embora dependa da zona e do país onde vive. São seis a sete milhões. E não se importam com o fim do Mundo: "Estão mais preocupados em terem comida suficiente para alimentar a família, em terem escolas para os filhos e sistemas de saúde que funcionem", explica a especialista em cultura Maia Inês Varela-Silva. Dia 21, chega ao fim o 13º ciclo do calendário longo Maia. E em qualquer calendário, a seguir a um ciclo vem outro.

"Em cada crise social ou política, ao longo dos milénios, há sempre um incentivar destas crenças no fim do Mundo. É como uma espécie de vingança: descontentes, as pessoas vingam-se sobre o próprio Mundo, ameaçando o fim" – contextualiza o sociólogo e especialista em religiões Moisés Espírito Santo. A razão principal para que as pessoas estejam assustadas, particularmente no Hemisfério Ocidental e mais concretamente na Europa, é a crise. "Já bastam os problemas do dia-a-dia, mas falarem ainda em questões do fim do Mundo de uma maneira dramática causa o pânico", acrescenta o professor universitário José Manuel Anes, que se dedica ao estudo das espiritualidades e das religiosidades.

FICÇÃO ACELERA REALIDADE

Há três anos, a convicção de que o Armagedão estaria iminente ressurgiu com o filme ‘2012’, de Roland Emmerich – o mesmo que realizou o ‘Dia da Independência’ (1996). A ficção descreve uma série de cataclismos que conduz ao fim do Mundo, mas o triunfo aconteceu só mesmo na bilheteira: 615 milhões de euros em receitas. "É uma indústria lucrativa para determinadas empresas nos Estados Unidos e no Norte da Europa", explica a investigadora Inês Varela-Silva.

Marketing apocalíptico, assim se denomina o fenómeno. E nem os mexicanos o desperdiçam: o governo investiu 38 milhões de euros para publicitar o programa turístico ‘Mundo Maya’, na expectativa de receber a visita de 52 milhões de turistas nacionais e estrangeiros, até dia 21, e retorno de 10,7 mil milhões de euros. "Mas a maioria dos lucros é feita pelas empresas que se aproveitam da ingenuidade das pessoas mais crédulas e as convencem a construir abrigos subterrâneos, ou a comprar ‘zonas seguras’ no cimo das montanhas cobrando preços exorbitantes", arremata Inês Varela-Silva.

Até o governo norte-americano desmentiu a profecia apocalíptica de 21 de Dezembro: estima-se que 25 milhões de americanos acreditam que não vão chegar ao Natal. E, aterrorizados, uma boa parte destes correu a comprar armas para se proteger.

Porque se espalham boatos sobre o fim do Mundo? "Para algumas pessoas é para ganhar dinheiro, não tenho dúvidas", responde Carlos Fiolhais, físico e professor universitário em Coimbra. "Vender t-shirts do fim do Mundo deve ser giro", acrescenta. "Outros será por gostarem de enganar os outros e nem sequer é para ganharem dinheiro."

As pessoas deixam-se enganar por falta de cultura científica. Carlos Oliveira, professor de Astrobiologia na Universidade de Austin, EUA, diz que o fenómeno do fim do Mundo "dá muito dinheiro a quem é exímio a manipular os outros. Por isso é que muitos vigaristas, todos os anos, se aproveitam destas e de outras vigarices. Harold Camping [famoso pelas suas interpretações da Bíblia e doutrinas cristãs] meteu ao bolso 80 milhões de dólares [61,3 milhões de euros] com a história do fim do Mundo a 21 de Maio de 2011".

Há pessoas que falam em suicídio. Em matar os filhos para não assistirem ao fim do Mundo. Para responder às milhares de perguntas de pessoas aterrorizadas com o eventual fim do Mundo, dia 21, a NASA fez um esclarecimento público: "O que é uma piada para muitos e um mistério para outros está a preocupar seriamente algumas pessoas e por isso é importante que a NASA responda a essas perguntas que nos são enviadas", justifica o astrobiologista David Morrison, do Centro de Pesquisa Ames.

Na aldeia de Bugarach, nos Pirinéus franceses, muitos acreditam que a "montanha invertida" – como é conhecida – se trata de uma garagem de extraterrestres, que, no dia do fim do Mundo, vão salvar quem estiver por perto. A data é ditada pelo calendário Maia. E o boato associa-se a outro baseado em textos do escritor Zecharia Sitchi, dos anos 70, prevendo que o planeta Nibiru (ou Planeta X) iria colidir com a Terra. Mas a NASA esclarece: "A data para esse suposto choque estava inicialmente prevista para Maio de 2003, mas como nada aconteceu, o dia foi mudado para Dezembro de 2012, para coincidir com o fim de um ciclo no antigo calendário Maia."

Outra preocupação – alerta o também criminalista José Manuel Anes – é a segurança. "As autoridades precisam de vigiar estes grupos com muita atenção – e particularmente em França [junto da aldeia de Bugarach] –, porque há sempre a tendência para alguns manipularem e promoverem atitudes drásticas, com violência terrorista e psíquica." E recorda que também "a Bíblia tem passagens de profecias apocalípticas, mas não é explícita quanto à data".

Diversas seitas apocalípticas, antes da entrada no ano 2000, lançaram-se em suicídios colectivos, temendo o fim do Mundo, como recorda José Manuel Anes: "A ‘Ordem do Templo Solar’ [na Suíça e no Canadá], a ‘Porta do Céu’ – na Califórnia –, por exemplo, ou um atentado terrorista de um grupo esotérico japonês – a ‘Verdade Suprema’." Em Portugal, a ‘Ordem do Templo Solar’ também mereceu a atenção das autoridades, apesar dos poucos membros. "Eu acompanhei esse assunto com alguma preocupação", afirma o ex-presidente do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo. "Mas hoje, creio que há uma vivência tranquila desses grupos em Portugal, o que não acontece em outras paragens."

José Manuel Anes explica que "a questão do milénio, falada na Bíblia – e que leva à designação milenarismo –, faz com que de mil em mil anos haja sempre o receio de uma mudança cataclísmica". William Miller, fundador do movimento adventista, previu um grande incêndio, entre 21 de Março de 1843 e 21 de Março do ano seguinte, que levaria ao fim do Mundo e ao regresso de Cristo à Terra. Falhada foi também a profecia do pastor americano William Branham, que dizia ter sido visitado por sete anjos em Fevereiro de 1963 que lhe indicaram que o Mundo teria fim em 1977 – mas o próprio morreu em 65, num acidente de viação.

"O próprio Jesus Cristo disse que alguns dos seus discípulos assistiriam ao fim do Mundo. Esperava-se que naqueles momentos da vida de Cristo viesse o fim do Mundo", acrescenta o sociólogo Moisés Espírito Santo. "E os cristãos depois do Império Romano também acreditavam que o fim do Mundo estivesse próximo. Isso é uma constante de todas as religiões."

CATÁSTROFES NATURAIS

Religião à parte, a ciência também desacredita o fim do Mundo. "Qual seria o maior perigo vindo do Espaço? Um asteróide? A Terra tem 4,6 mil milhões de anos e as coisas que caíram foram muito pequenas, a vida conseguiu triunfar. Por aí não há maneira nenhuma" – garante Carlos Fiolhais. A inversão do campo magnético da Terra? "O pólo magnético está em constante mudança, e não é por isso que morremos todos os dias", justifica Carlos Oliveira, outro cientista. E prossegue: "Em Maio de 2010, um rumor na internet dizia que a estrela Betelgeuse se iria tornar numa supernova nas próximas semanas e poderia matar-nos a todos. Ou seja, em Junho de 2010, o Mundo iria acabar devido à implosão de Betelgeuse. Como isso não aconteceu, então tiveram de mudar a data, para continuar a enganar as pessoas." E sobre o Sol que irá engolir a Terra? A certeza é que só acontecerá daqui a mil milhões de anos.

Mas há fenómenos naturais preocupantes: "Penso que a questão geológica e meteorológica – vários sismos, tsunamis e furacões – tem assustado as pessoas", aponta José Manuel Anes. E aqui, mais uma vez, a ciência explica: "Nada indica que vá acontecer alguma catástrofe. Somos incapazes de prever grandes sismos. Mas, mesmo que haja algum, será uma catástrofe local e não global. Não estamos a ver maneira de acabar o Mundo" – resume o professor Fiolhais.

Chegou a haver quem acreditasse que o vulcão Eyjafjallajökull, na Islândia, que emitiu uma nuvem de cinzas e vapor pelo Atlântico Norte em Abril de 2010 e que paralisou os voos comerciais, fosse um sinal do fim do Mundo. A caldeira de Yellowstone, o mais antigo parque natural americano, é vista também como um perigo: nos últimos 2,1 milhões de anos já foi três vezes palco de violentas erupções.

Há quem esteja também preocupado com os ‘chemtrails’ – ou ‘rastos químicos’: ao observarem as marcas de fumo branco no céu à passagem dos aviões, houve quem concluísse que demoram cada vez mais tempo a dissipar-se. Daí espalhou-se o boato que, em vez do vapor de condensação associado aos motores, estas nuvens resultam do lançamento de químicos com fins destrutivos.

"As pessoas têm memória curta – as mesmas coisas que se dizem agora, já se disseram em 1997, 1999, 2000, 2003, 2005, 2011… e só me remeto aos últimos 15 anos –, gostam de ser amedrontadas e, infelizmente, gostam de ser enganadas – porque preferem a fantasia à realidade, que é muito mais espectacular, mas demora mais tempo a aprender" – resume o professor de Astrobiologia na prestigiada Universidade de Austin, EUA, Carlos Oliveira. "Não é de estranhar a quantidade de pessoas que se matam e matam outros devido a estas profecias: para estes, a profecia concretiza-se – o Mundo acaba."

Para Luís Resina, astrólogo e investigador em temas esotéricos desde 1975, "as crenças foram construídas pelos homens, principalmente pelas teorias milenaristas ligadas às profecias apocalípticas do fim do Mundo". O próprio Nostradamus, nascido em 1503, previu o fim do Mundo em 2012 – e disse também: "Em 1999, sétimo mês, do céu virá um grande rei do terror", não veio.

"Todas as profecias são referentes a fins de civilizações, de religiões e sistemas ideológicos, não à extinção de vida no Planeta", explica Luís Resina. Em relação a 2012, o astrólogo é taxativo: "Tem sido e vai continuar a ser uma fase de mudança, muito maior do que qualquer outra que tenhamos vivido. É uma mudança ao nível da consciência, uma grande oportunidade para as pessoas mudarem os seus valores. Basta olhar para os telejornais: a crise económica, de valores e religiosa é reflexo disso."

UMA PRIMEIRA-MINISTRA À ESPERA DE ZOMBIES

"Caros companheiros australianos, o fim do Mundo está a chegar. Afinal, o calendário Maia estava certo. Independentemente se o fim vier com zombies comedores de carne, bestas demoníacas ou o triunfo total do K-Pop, saibam que vou sempre lutar por vocês, até ao fim." Foi desta forma que a primeira-ministra australiana, Julia Gillard, falou a uma rádio local, num anúncio promocional de 50 segundos. "É apenas humor de final de ano, nada mais", justificou uma porta-voz do seu gabinete, depois da polémica ter corrido o Mundo.